A Viola e a Lua

A noite é clara à luz da lua
Escuto o vento chacoalhar as folhas
Das árvores que pontuam a margem desse rio
Alguns galhos estalam e a água murmura
Um brando som que lembra as batidas
Agitadas, longe, de um pequeno coração

Uma tranqüilidade que beira a verdade
De um aldeão que senta à fogueira
Agachado, se aquecendo, enquanto
Parado olha o fogo saltar e ressaltar
O que um dia lhe foi ardência em seu peito,
Agora recoberto de abesto

Flamam meus sentimentos
Mas a gota sóbria do momento
Não permite que o entusiasmo
De novo me leve àquele marasmo
Do romantismo gratuito e sem razão
É ser livre trocar o romantismo pela paz

A minha canoa desce o rio
E ecoa o vento liso e gelado
Entre as montanhas
Ela cai, minha canoa, eternamente nessas águas
Que lembram um brando som
De chocalhos ínfimos

A minha canoa só me cabe
E meu chapéu represa a luz da lua
Ainda bem! Pois romantismo demais
Dói no fundo sem sentir
De adormecer a alma
E lhe acordar de ressaca em dia de calor

E cai a canoa rio acima
Eternamente
E descrente do algo a vir
Por cima e à frente não penso em nada
É melhor ouvir os barulhos dos grilos
Que trilam e tremem à brisa perene nas margens

Não ouso olhar a lua
E assobiar sua balada no meu
Pensamento
Faz-me pensar nas lembranças
Que tive outrora e não lembro mais
Minha canoa afunda no mar de tranqüilidade

E passa o vento e serra minha tez
Como um dia serrou a seda
Que recobria sua face límpida e molhada
São os borrifos desse mar de rio
Que transborda em maré
Enquanto passa a noite em lua cheia

A noite é calada,
Os seres imersos nela nem tanto
E eu trouxe minha viola a fim de cantar uma canção
Não fosse esses gemidos da água e o soar dos grilos
Não teria lembrado dela [ablução]
Tampouco teria tremido suas cordas

E cai a canoa e vai rio abaixo a minha frente
E vejo-me ficando para trás
Assim como a lua passa sem sair de seu lugar
E seu brilho empalidece nas águas que não mudam
E me empurram a frente
Vale menos o romantismo que todos esses sons

No bater da alvorada
Já vejo uns pássaros a guiar-me
Pelo esteio aquático e meio
Fio d’água que corta minha canoa
A viola não me serviu
Também não havia musa

E a noite passou e com ela chegou o cansaço
Minha canoa corta mais alguma légua
Sem que queira chegar a algum lugar
Nem terminar seu percurso
Eu só estou deitado, ouvindo o tilintar das folhas
E o rasgar de retalhos do canto dos grilos

A minha viola não bate corda
Nem retumba minha vontade
Eu a esqueci, preferi o banhar da luz da lua
E a balada bucólica do meu entorno
Enquanto cortava minha canoa
A lâmina d´água e o meu pesar
Com minha viola, meu silêncio e ao luar


Voltar à relação de Poesias Avulsas
Voltar à página inicial